Minha Gioconda (Mia Gioconda)
Agnaldo Rayol
4:04Nasci artista, fui cantor Ainda pequeno, levaram-me para uma escola de canto O meu nome, pouco a pouco, foi crescendo, crescendo Até chegar aos píncaros da glória Durante a minha trajetória artística Tive vários amores Todas elas juraram-me amor eterno Mas acabaram fugindo com outros Deixando-me saudade e a dor Uma noite, quando eu cantava a Tosca Uma jovem da primeira fila atirou-me uma flor Essa jovem veio a ser mais tarde A minha legítima esposa Um dia, quando eu cantava A Força do Destino Ela fugiu com outro, deixando-me uma carta E, na carta, um adeus, não pude mais cantar Mais tarde, lembrei-me que, contudo Ela me havia deixado um pedacinho de seu eu A minha filha, uma pequena boneca de carne Que eu tinha dever de educar Voltei novamente a cantar Mas só por amor a minha filha E eduquei-a, fez-se moça, bonita E uma noite, quando eu cantava Ainda, mais uma vez, A Força do Destino Deus levou a minha filha para nunca mais voltar Daí pra cá eu fui caindo, caindo Passando dos teatros de alta categoria Para os de mais baixa Até que acabei por levar uma vaia Cantando em pleno picadeiro de um circo Nunca mais fui nada, nada não! Hoje, porque bebo A fim de esquecer a minha desventura Chamam-me, ébrio Ébrio Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou Apedrejado pelas ruas, vivo a sofrer Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou Só nas tabernas é que encontro meu abrigo Cada colega de infortúnio é um grande amigo Que embora tenham, como eu, seus sentimentos Me aconselham e aliviam os meus tormentos Já fui feliz e recebido com nobreza até Nadava em ouro e tinha alcova de cetim E a cada passo, um grande amigo que depunha fé E nos parentes, confiava sim E hoje ao ver-me na miséria, tudo vejo então O falso lar que amava e que a chorar deixei Cada parente, cada amigo, era um ladrão Me abandonaram e roubaram o que amei Falsos amigos, eu vos peço, imploro a chorar Quando eu morrer, na minha campa nenhuma inscrição Deixai que os vermes, pouco a pouco, venham terminar Este ébrio triste, esse triste coração Quero somente que na campa em que eu repousar Os ébrios loucos como eu venham depositar Os seus segredos ao meu derradeiro abrigo E suas lágrimas de dor ao peito amigo