Secretário De Obra
Baitaca
3:31Vivo de changa e trabalho que me arrebento. Já não aguento, tô quase desesperado. Tive vontade de abandonar a querência, porque a firma abriu falência e eu ando desempregado. Maldita crise é que me trai no sufoco, tô quase louco, já não sei o que fazer. E uma miséria por perto, rondando a gente... Se não mudar o presidente, sou até capaz de morrer. Tô mais delgado do que chino piqueteiro. Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado. E o meu crediário, há tempo, já se acabou. Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado. Meu biongo véio balança pior que uma rede, tá sem parede, apodreceu o Santa Fé. Olho pra cima, só enxergo o céu como abrigo, e a muié braba comigo por faltar o pão do café. E a criançada sofrendo, desesperada, desatinada por não comer quase nada. Não brincam mais, a metade passa chorando, e o resto se coçando duma sarna desgraçada. Tô mais delgado do que chino piqueteiro. Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado. E o meu crediário, há tempo, já se acabou. Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado. Minha barriga chega a roncar de vazia, de meio-dia, quando eu deito pra sestear. Caio na cama e penso em ficar sossegado, e um pulguedo desgraçado não me deixa eu descansar. Quando eu me deito, é pior que ninho de sorro: tem pouco forro, me bate um frio e me entangue. Eu perco o sono, rolo até de manhã cedo, e, quando se acalma o pulguedo, o fincão me chupa o sangue. Tô mais delgado do que chino piqueteiro. Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado. E o meu crediário, há tempo, já se acabou. Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado. Rezo pra Deus pra que alguma coisa me reste. Morreu da peste o meu galo topetudo. Sem geladeira, já entra o verão de novo — me bate um calor nos “ovo” que quase apodrece tudo. Minha cadela enxerga a caça e não se atraca. Tá muito fraca, já não rusga pra ninguém. E um cusco magro que, nesses dia', ele tomba — dá mordida até na sombra de tanta fome que tem. Tô mais delgado do que chino piqueteiro. Sem serviço e sem dinheiro, eu não posso pagar o mercado. E o meu crediário, há tempo, já se acabou. Minha panela enferrujou, já não me vendem mais fiado.