Capataz (Ao Vivo)
Lisandro Amaral
6:42Eu canto pela mesma razão que obriga a calhandra a povoar o capão de coronilhas de rebanhos de notas e tropilhas de som... Pela mesma razão que força o arroio a correr e o umbu a dar sobra e crescer. Meu bisavô farroupilha, cujas mãos na guerra eram garras, eram flor na guitarra, eram luz no rincão, abriu-me picadas para sonoras liberdades...! Remarcou fronteiras flutuantes, espichou os lançantes até o Uruguay. E lutando e cantando Legou-me hombridade, um rumo e canção. Era um diabo – hoje é santo! Por isso eu canto! Meu bisavô farrapo, changueador, vaqueano e vago, que era pária, era lixo, era trapo, hoje é luxo, hoje é guapo... Hoje é rua, hoje é praça, hoje é busto... (que susto levaria se saltasse da pradaria que serviu de campo-santo!) A história mudou – e quanto! Por isso eu canto! E canto! E canto! Meu vago ancestral charrua, cuja figura nua, ondeando o lombo do flete, mesclando melena e crina, evitou que essa campina um dia virasse brete de aventureiros errantes... Enfrentou os Bandeirantes, Lusitanos e Espanhóis, chuvas, pampeiros e sóis, porque a terra tinha dono. Hoje é cidade, tem trono! A história mudou – e quanto! Na teologia das avós – duzentos anos após – Sepé Tiaraju é Santo! Por isso eu canto e canto e canto..! Cantar para mim é um fatalismo telúrico, um determinismo da raça... Meu bisavô era umbu e eu – calhandra em seu galho! Meu bisavô era bambu que os tempos fizeram lança, que os ventos fizeram quena... E eu, consequência apenas desses tempos, desses ventos, me transformei em canção! E canto para os de então! E canto para os de então! Outros mais terão motivos para celebrar os vivos que reinam, falam em paz. E eu, que sou pássaro triste, bagual e de pouca voz; eu, que escutei as avós e que não conheço alpiste, cantarei os da culatra: esses que fizeram pátria! Cantarei sempre os de trás!