Coruja (Feat. Look)
Cts
3:30Escutei dois tiros Na madrugada tudo rola, todos tão submetidos Tô andando em direção à minha quadra Olho pro chão e vejo sangue na calçada Que caralho, peito molhado Tô suando frio, arrepiando os cabelos do braço Que porra é essa? Será que me acertou? Olhei pra baixo, vi meu peito furado Mas não sentia dor Continuei andando Nem parece que eu tô respirando Eu sinto sede, boca ressecada com gosto de peixe Tudo estranho, mó esquisito Cheguei na porta de casa, escutei os gritos Que treta é essa? Porta aberta uma hora dessa? Entrei depressa pra ver de qual que é Me assustei quando olhei e vi os gambé O que é pior, vi meu corpo no chão da sala Coberto com a toalha e minha mãe desesperada Gritando em prantos: Só tinha 18 anos Eu quero morrer com ele, meu coração está sangrando Louca sensação O que que eu tô fazendo ali no chão? Começo a pensar O que que eu fiz aqui na terra? O que que eu vinha representar? Afinal de contas, na trigésima Meu caso vai ser visto como acerto de contas Vou ser pichado por muitos Mais um bandido que virou defunto Pensar na minha mãe um pouco Que viu dois filhos se afundarem no mesmo poço Calabouço pra quem é bicho solto Um tinha 23 e eu só tinha 18 E agora o que fazer? Retrospectiva de vida Logo eu que queria ter um proceder Levante agora, olhe para os céus A salvação virá de Deus pai Está em tuas mãos a segunda chance Não olhe para trás, siga adiante, irmão Madrugada se foi, o dia amanheceu Mó inflamação, a casa logo encheu Vi altos neguinhos que nem mesmo conhecia Que apontava pro meu corpo, falava e sorria Eu não tô nem aí, é Deus quem vai julgar Do jeito que eu fiquei, eles também podem ficar, hã Minha dona chegou, com lágrima no rosto Em seguida se jogou em direção ao meu corpo Sei que pelo menos da parte dela não tinha falsidade Era a que sempre me apoiava e me dava coragem Cadê os meus parceiros, os meus aliados? Será que eram irmãos ou só eram colados? Vamo ver quem vai me decepcionar Tá chegando quatro tru' que entram devagar Um olhando pro outro meio estranho Um se desespera e grita: Porra, logo meu mano! Nesta hora minha alma chorou Senti que eu era alguém mesmo não sendo doutor Eu tô sentindo coisa estranha ali no meio Neguinho de campana, apontando o dedo Talvez quem me acertou veio conferir o óbito Mas não seria mais prático Ter me dado um confere entre os olhos? Acabaria a treta, problema resolvido O que me admira é um cu desse querer bancar de bandido Ah, nem sei do que é que tô falando Talvez seja um gambé que me acertou por engano, não Essa hipótese pode ir descartando Por engano nem rola, só se foi praticando Por engano nem rola, só se foi praticando Só se foi praticando Levante agora, olhe para os céus A salvação virá de Deus pai Está em tuas mãos a segunda chance Não olhe para trás, siga adiante, irmão Velório praticado e sepultamento em seguida Talvez encontre a minha paz nessa outra vida Porque a que passou foi cruel Porque na guerrilha do mundão Quem não se joga vira réu Penitência, talvez por influência Sentença é dada a quem pouco pensa Talvez seja por isso que não passa a decadência Meu instinto sempre foi bicho solto Se em vida era nada, imagine agora, morto Vou nem comentar, deixa pra lá Se foi Deus quem escreveu, quem é que vai mudar? Eu sei que a carne é fraca, mas o espírito não Porque sempre fui grilado em ver defunto em caixão Em vida é uma coisa, vida após a morte é outra No mundo é aparência, perfume e roupa Mas pra defunto não tem moda, seja rico ou seja pobre É só terra e cova, agora é foda Último momento, o caixão já tá nas cordas É lamentável, mas fazer o quê? Eu sei que eu tive que morrer pra outro nascer Surge um vulto de repente, será o quê? Duas vozes me chamando e eu naquela sem saber Do meu lado direito, jardim de rosas brancas Do lado esquerdo, rosas pretas que sangram E, de repente, outro vulto na minha direção Num baque forte me leva num arrastão Abri os olhos, cansado Com medo, soado, apavorado Minha mãe olhou pra mim e começou a passar mal A enfermeira falou que eu estava na CTI de um hospital Disse também que eu nasci de novo E que pelos médicos já estava dado como morto É, Gomorra, a vida prega peças na gente Coisas que Deus faz são poucos que entende Às vezes somos sujeitados A passar por coisas estranhas Pra ver se entendemos o recado Mas aí, tô firmão', tô disposto Voltei pra abraçar minha quebrada E começar tudo de novo Mas agora é sem o pó Sem a merla, sem o ferro, sem o B.O Como tudo de ruim quando se conta, torna brincadeira Contei essa história pros irmãos Enquanto nós tomávamos uma cerva' lá na feira Aí, véi', se Deus te deu uma segunda chance É porque ele tem algo na sua vida (a salvação) Tá ligado? (virá de Deus pai) Então não deixe com que tudo se torne em vão Prossiga a jornada, São Sebastião